”Faço parte de uma das últimas gerações de filhos criados por mães que trabalhavam exclusivamente como donas de casa.
Ir à feira, cozinhar o feijão enquanto colocava as roupas de molho, arrumar as camas, varrer a casa, lavar o quintal, limpar o banheiro, passar a roupa... Toda essa rotina cansativa e pouco valorizada tinha um momento de glória: a hora do almoço! As mulheres preparavam o almoço todo dia para família, nem sempre muito atenta à divisão de tarefas e numa época em que a cozinha tinha muito pouco do glamour que tem hoje.
– Quando mesmo maridos e filhos desatentos eram obrigados a reconhecer que por trás daquele bife a milanesa, aparentemente banal, ou do singelo bolinho de arroz ou de batatas recheado com carne moída, havia técnica e talento, além de um inimitável toque pessoal. Haja talento para substituir à altura um bolinho de batatas recheado, para os que tiveram a sorte de ter mães que cozinhavam bem e sempre!
O aconchego materno me transportou para uma série infinita de almoços em família.
A mesa de todo dia abastece boa parte das lembranças de infância. Uma galinha caipira, bem temperada e refogada de uma determinada maneira;
O som do rádio sempre sintonizado; as conversas desencontradas; minha mãe controlando a quantidade de comida ingerida por cada um dos filhos, como se uma garfada a menos fosse o primeiro passo para a desnutrição.
A surpresa, não tão surpreendente assim, é que nossas mães são um pedaço tão imenso do que a gente reconhece como a nossa identidade que, todos os dias,
nos gestos e momentos mais banais, surgem memórias ligadas a elas que aliviam um pouco a brutal saudade física que a morte delas nos causa.
(E, já bem velhinhos e esquecidos de quase tudo, se esse for script da cena final,
não tenho dúvida de que o conforto e o aconchego de nossas mães que vamos desejar até O último momento.)"
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